
Vento de Maio
1967
A primeira vez que vi Nara Leão achei que ela era a Musa, minha e da bossa nova. Depois, Nara foi se
desmusando, se desmusando... Cortou curto os cabelos, meteu uns blue-jeans e saiu por aí. Mais romântica, menos intimista, gritou umas
verdades no teatro. As verdades ficaram no teatro e Nara foi para a televisão. Levava a sua verdade e a música brasileira para o grande
público.
Seus LPs documentam perfeitamente estes cinco útimos anos da nossa música. Com sua aguda e frágil, a pequenina Nara carregou nas costas
um barquinho, um violão, um carcará, uma rosa, um trem, uma tuba e um circo inteiro. É natural que conheça, enfim, o peso das coisas que
diz. Nara não se ilude: por mais fé que ponha em sue canto, não espera remover monatanhas. Isso lhe dá às vezes aquele ar de desencanto,
quase beirando a displicência. É quando nasce um samba, um novo alento, uma esperança... E, para tanto, ela é uma menina. Saia curta,
perna grossa e tudo.
Aquio está ela de volta. Porque é consciente na escolha do seu repertório; porque é corajosa na hora das verdades, porque é imagem de
mulher independente... Atribua seu sucesso ao que bem entender, porém uma coisa é certa: Nara canta brasileiro, canta o que é bem nosso.
Bara não tempretensões a uma música universal – “esperanto hipotético que não existe” – no dizer de Mário de Andrade. Nara canta sem
sotaques. Canta apenas o dia a dia, o sol a sol – o que já é muito, aqui pra nós.
Chico Buarque de Hollanda