
Vento de Maio
1967
(clique nas músicas para ver as letras)
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Quem te viu, quem te vê (Chico Buarque)
Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua
Hoje o samba saiu, lá lalaiá, procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais esquece não pode reconhecer
Quando o samba começava você era a mais brilhante
E se a gente se cansava você só seguia a diante
Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado
Você só dá chá dançante onde eu não sou convidado
O meu samba assim marcava na cadência os seus passos
O meu sonho se embalava no carinho dos seus braços
Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão
Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão
Todo ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia pra que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza porque foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia
Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você me assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade por favor não dê na vista
Bate palma com vontade, faz de conta que é turista -
Com açucar, com afeto (Chico Buarque)
Com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa, qual o quê
Com seu terno mais bonito, você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa
Você diz que é um operário, sai em busca do salário
Pra poder me sustentar, qual o quê
No caminho da oficina, há um bar em cada esquina
Pra você comemorar, sei lá o quê
Sei que alguém vai sentar junto, você vai puxar assunto
Discutindo futebol
E ficar olhando as saias de quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol
Vem a noite e mais um copo, sei que alegre ma non troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo
Pra você rememorar
Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão, qual o quê
Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado
Ainda quis me aborrecer, qual o quê
Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você -
Noite dos mascarados (Chico Buarque)
Quem é você
Adivinha se gosta de mim
Hoje os dois mascarados procuram
Os seus namorados perguntando assim:
Quem é você?
Diga logo que eu quero saber o seu jogo
Que eu quero morrer no seu bloco
Que eu quero me arder no seu fogo
Eu sou seresteiro, poeta e cantor
O meu tempo inteiro só zombo do amor
Eu tenho um pandeiro
Só quero um violão
Eu nado em dinheiro
Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte, não sei mais dançar
Eu, modéstia à parte, nasci prá sambar
Eu sou tão menina
Meu tempo passou
Eu sou colombina
Eu sou pierrô
Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal
Deixa a festa acabar
Deixa o barco correr
Deixa o dia raiar que hoje eu sou
Da maneira que você me quer
O que você pedir eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser -
Vento de maio (Gilberto Gil / Torquato Neto)
Oi! você que vem de longe
Caminhando a tanto tempo
Que vem de vida cançada
Carregada pelo vento
Oi! você que vem chegando
Vá entrando e tome assento
Oi! você que vem chegando
Vá entrando e tome assento
Desapei dessa tristeza
Que lhe dou de garantia
A certeza mais segura
Que mais dia menos dia
No peito de todo mundo vai bater a alegria
No peito de todo mundo vai bater a alegria
Rô rô rô rô rô
Rô rô rô rô rô
Oh! meu irmão fique certo
Não demora e vai chegar
Aquele vento mais brando
Aquele belo luar
Que por dentro desta noite te ajudaram a voltar
Que por dentro desta noite te ajudaram a voltar
Monta e seu cavalo baio
Que o vento já vai soprar
Vai romper o mês de maio
Não é hora de parar
Galopando na firmeza
Mais depressa vai chegar
Mais depressa vai chegar
Rô rô rô rô rô
Rô rô rô rô rô -
Maria Joana (Sidney Miller)
Não faz feitiço quem não tem um terreiro
Nem batucada quem não tem um pandeiro
Não vive bem quem nunca teve dinheiro
Nem tem casa pra morar
Não cai na roda quem tem perna bamba
Não é de nada quem não é de samba
Não tem valor quem vive de muamba
Pra não ter que trabalhar
Eu vou procurar um jeito de não padecer
Porque eu não vou deixar a vida sem viver
Mas acontece que a Maria Joana
Acha que é pobre, mas nasceu pra bacana
Mora comigo, mesmo assim não me engana
Ela pensa em me deixar
Já decidiu que vai vencer na vida
Saiu de casa toda colorida
Levou dinheiro pra comprar comida
Mas não sei se vai voltar
Eu vou perguntar
Joana, o que aconteceu?
Dinheiro não faz você mais rica do que eu -
A praça (Sidney Miller)
Peço licença, peço em nome de quem passa
Onde a rua fez-se em praça
Tempo passa e vai-se embora
Eu vou cantar um samba
Pra quem chegar agora
Fica de fora quem faz tempo foi criança
E já não pode entrar na dança
Nem sequer sabe dançar
E ficou triste assim num banco do jardim
Vendo o tempo passar
Por outro lado tão contente, apaixonado
Desfilava o namorado
Sempre a transportar o céu dentro do peito
Coração a voar
Quem suspirava era menina que estudante
Passeava a todo instante
Sempre a espera de um amor
Que enquanto ele não vinha
Namorava sozinha
E o vagabundo que pedia a todo
Para lhe mostrar o seu lugar
Não encontrando pela praça andou rodando
E resolveu ficar para morar
Seu afazer era fazer da meninada
Nada mais que um só brinquedo para quem não tem
Fazia nada porque medo lhes causava
Quando junto se achegava pra brincar também
No fim da tarde toda gente se juntava
A tarde é cedo, a noite é quente
Quem ficava era pra ver a lua aparecer
E alguém cantar um samba
Peço licença, peço em nome de quem passa
Onde a rua fez-se em praça
Tempo passa e vai-se embora
Eu já cantei meu samba
Quem vai cantar agora? -
O circo (Sidney Miller)
Vai, vai, vai começar a brincadeira
Tem charanga tocando a noite inteira
Vem, vem, vem ver o circo de verdade
Tem, tem, tem picadeiro de qualidade
Corre, corre, minha gente que é preciso ser esperto
Quem quiser que vá na frente, vê melhor quem vê de perto
Mas no meio da folia, noite alta, céu aberto
Sopra o vento que protesta, cai no teto, rompe a lona
Pra que a lua de carona também possa ver a festa
Bem me lembro o trapezista que mortal era seu salto
Balançando lá no alto parecia de brinquedo
Mas fazia tanto medo que o Zezinho do Trombone
De renome consagrado esquecia o próprio nome
E abraçava o microfone pra tocar o seu dobrado
Faço versos pro palhaço que na vida já foi tudo
Foi soldado, carpinteiro, seresteiro e vagabundo
Sem juízo e sem juízo fez feliz a todo mundo
Mas no fundo não sabia que em seu rosto coloria
Todo encanto do sorriso que seu povo não sorria
De chicote e cara feia domador fica mais forte
Meia volta, volta e meia, meia vida, meia morte
Terminando seu batente de repente a fera some
Domador que era valente noutras feras se consome
Seu amor indiferente, sua vida e sua fome
Fala o fole da sanfona, fala a flauta pequenina
Que o melhor vai vir agora que desponta a bailarina
Que o seu corpo é de senhora, que seu rosto é de menina
Quem chorava já não chora, quem cantava desafina
Porque a dança só termina quando a noite for embora
Vai, vai, vai terminar a brincadeira
Que a charanga tocou a noite inteira
Morre o circo, renasce na lembrança
Foi-se embora e eu ainda era criança -
Morena do mar (Dorival Caymmi)
Ô morena do mar, oi eu, ô morena do mar
Ô morena do mar,sou eu que acabei de chegar
Ô morena do mar
Eu disse que ia voltar
Ai,eu disse que ia chegar,
Cheguei
Ô morena do mar, oi eu, Ô morena do mar
Ô morena do mar,sou eu que acabei de chegar
Ô morena do mar
Eu disse que ia voltar
Ai,eu disse que ia chegar,
Cheguei
Para te agradar
Ai,eu trouxe os peixinhos do mar
Morena
Para te enfeitar,
Eu trouxe as conchinhas do mar
As estrelas do céu
Morena
E as estrelas do mar
Ai,as pratas e os ouros de Iemanjá
Ai,as pratas e os ouros de Iemanjá -
Fui bem feliz (Sidney Miller e Jorginho)
Já fui bem feliz
Agora não sou
Já fui bem feliz
Agora não sou
Ah, se eu pudesse voltar aos meus tempos de outrora
Do meu apito no nosso desfile da escola
Minhas pastoras vestidas com rendas e flores
Venham buscar as cores mais belas da aurora
Já fui bem feliz
Agora não sou
Já fui bem feliz
Agora não sou
Vejam vocês até meu amor foi-se embora
Pra não viver ao lado do meu sofrimento
Restou apenas do samba a saudade que chora
E o violão agora é quem faz meu lamento
Já fui bem feliz
Agora não sou
Já fui bem feliz
Agora não sou -
Rancho das namoradas (Vinicius de Moraes e Ary Barroso)
Já vem raiando a madrugada
Acorda, que lindo
Mesmo a tristeza está sorrindo
Entre as flores da manhã se abrindo nas flores do céu
O véu das nuvens que esvoaçam
Que passam pela estrela a morrer
Parecem nos dizer que não existe beleza maior do que o amanhecer
E no entanto maior, bem maior do que o céu
Bem maior do que o mar, maior que toda natureza
É a beleza que tem a mulher namorada
Seu corpo é assim como aurora ardente
Sua alma é uma estrela inocente, seu corpo uma rosa fechada
Em seus seios pudores renascem das dores
De antigos amores que vieram mas não era
Um amor que se espera, o amor primavera
São tantos os encantos que para os comparar
Nem mesmo a beleza que tem as auroras do mar -
Chorinho (Chico Buarque)
Ai, o meu amor, a sua dor, a nossa vida
Já não cabem na batida
Do meu pobre cavaquinho
Ai, Quem me dera
Pelo menos um momento
Juntar todo sofrimento
Pra botar nesse chorinho
Ai, quem me dera ter um choro de alto porte
Pra cantar com a voz bem forte
E anunciar a luz do dia
Mas quem sou eu
Pra cantar alto assim na praça
Se vem dia, dia passa
E a praça fica mais vazia
Vem, morena,
Não me despreza mais, não
Meu choro é coisa pequena
Mas roubado a duras penas
Do coração
Meu chorinho
Não é uma solução
Enquanto eu cantar sozinho
Quem cruzar o meu caminho,
não pára não
Mas eu insisto
E quem quiser que me compreenda
Até que alguma luz acenda, este meu canto continua
Junto meu canto a cada pranto, a cada choro,
Até que alguém me faça coro pra cantar na rua -
Passa, passa, gavião (Sidney Miller)
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Passa o tempo na janela
Vejo tudo que se passa
Passa o dia, passa a hora
Passa a pressa de ir embora
Passa o pranto de quem chora
Passa o verso de quem canta
Passa a dor e a dor é tanta
Que eu nem sei por onde mora
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Minha tristeza faz assim
Sei que a tristeza vai ter fim
Minha certeza quer assim
Meu coração diga que sim
Com sinceridade
Me responda agora
Se a felicidade
Passará por mim
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Peça a Deus, minha senhora
Que passou por mim agora
Que esse sol que hora levanta
Nunca mais se vá embora
Pra que que eu possa estar contente
Pra passar por toda gente
Pra cantar com a minha gente
Pela vida a fora
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom
Gravadora: Philips
Arranjados e regências: Maestro Gaya e Dori Caymmi
Capa: Augusto Rodrigues